
O Vasco da Gama e o Primeiro Estádio de Concreto do Brasil: A Revolução de São Januário
O Vasco da Gama e o Primeiro Estádio de Concreto do Brasil: A Revolução de São Januário
Na história do futebol brasileiro, alguns marcos transcendem os gramados e se tornam símbolos de inovação e superação. Para o Club de Regatas Vasco da Gama, um dos capítulos mais fascinantes e pouco lembrados envolve a construção do Estádio Vasco da Gama, popularmente conhecido como São Januário. Mais do que a casa do clube, ele foi o primeiro estádio de concreto armado do Brasil, uma obra revolucionária que mudou para sempre a arquitetura esportiva nacional e nasceu de uma mobilização popular sem precedentes.
A década de 1920 foi um período de efervescência para o Vasco. O clube, fundado por remadores portugueses e brasileiros, já havia conquistado seu primeiro título de expressão no futebol carioca em 1923, com um time formado por operários e negros, desafiando o elitismo da época. No entanto, carecia de um estádio próprio. Os jogos eram realizados em campos alugados, situação que limitava a autonomia e a arrecadação do clube. A necessidade de uma sede própria era urgente, mas os custos eram proibitivos.
A solução veio de uma ideia ousada: uma campanha de financiamento popular conhecida como “Campanha dos Dez Mil”. Lançada em 1926, a iniciativa pedia que cada sócio e torcedor contribuísse com a quantia de 10 mil réis (moeda da época) para a construção do estádio. A resposta foi avassaladora. Milhares de vascaínos, muitos de origem humilde, doaram o que podiam. A campanha simbolizava o caráter popular do clube e arrecadou uma quantia significativa, embora não suficiente para cobrir todos os gastos. O restante foi garantido através de empréstimos e do apoio de comerciantes da colônia portuguesa no Rio de Janeiro.
A obra, iniciada em 1926 no bairro de São Cristóvão, foi um feito de engenharia. Projetado pelo engenheiro português Ricardo Severo, o estádio adotou a então moderna técnica do concreto armado, material que oferecia maior durabilidade e segurança em comparação com as antigas estruturas de madeira. Enquanto outros estádios do país, como o das Laranjeiras (Flamengo) ou o Estádio da Rua Conselheiro Galvão (São Paulo), eram construídos com arquibancadas de madeira, São Januário surgia como uma fortaleza de cimento. Sua inauguração, em 21 de abril de 1927, foi um evento grandioso, com a presença do então presidente da República, Washington Luís, e um público estimado em 40 mil pessoas, que viram o Vasco vencer o Santos por 5 a 3.
Os detalhes dessa construção são um testemunho de sua grandiosidade e inovação:
- Capacidade Inicial: O estádio foi inaugurado com capacidade para aproximadamente 40.000 espectadores, um número colossal para a época, rivalizando com os maiores da América do Sul.
- Material Revolucionário: Foi a primeira arena esportiva do Brasil construída integralmente em concreto armado, um marco na engenharia civil nacional que serviria de modelo para futuras construções.
- Custo e Financiamento: A obra teve um custo total estimado em 1.500 contos de réis. A famosa “Campanha dos Dez Mil” arrecadou cerca de 800 contos, com o restante sendo completado por empréstimos e doações de comerciantes.
- Inauguração Histórica: O jogo inaugural, em 21 de abril de 1927 (Tiradentes), contra o Santos, terminou com vitória vascaína por 5 a 3. O primeiro gol no estádio foi marcado pelo atacante vascaíno Santana.
- Impacto Imediato: A posse de um estádio moderno e próprio deu ao Vasco uma enorme vantagem financeira e logística, sendo um fator crucial para a conquista do Campeonato Carioca de 1929 e para a consolidação do clube como uma potência nacional.
A conclusão dessa história vai além do cimento e do aço. São Januário não foi apenas um estádio; foi a materialização da identidade vascaína. Construído com o suor e as moedas de sua torcida, erguido com uma tecnologia de ponta que o colocava à frente de seu tempo, o estádio se tornou um símbolo de resistência, modernidade e orgulho. Enquanto outros clubes ainda dependiam de campos públicos ou estruturas precárias, o Vasco possuía sua própria cidadela, um palco que testemunhou gerações de glórias. A construção do primeiro estádio de concreto do Brasil é, portanto, uma curiosidade histórica que revela o espírito pioneiro e a profunda conexão com suas raízes populares que sempre definiram o Gigante da Colina. Foi mais que uma obra; foi uma declaração de independência e ambição que ecoa até os dias de hoje nas arquibancadas de São Januário.
— Lance do Jogo







