
O Santos que quase virou "Santos da Bahia": a curiosa fusão rejeitada em 1933
O Santos que quase virou “Santos da Bahia”: a curiosa fusão rejeitada em 1933
No rico universo do futebol brasileiro, histórias de fusões entre clubes não são incomuns, mas poucas são tão peculiares e pouco conhecidas quanto a proposta que poderia ter alterado para sempre a identidade do Santos Futebol Clube. Em 1933, em meio a uma grave crise financeira que ameaçava a existência do clube alvinegro praiano, surgiu uma oferta audaciosa e inusitada: a fusão com o clube baiano Ypiranga, que resultaria em uma nova equipe batizada de “Santos da Bahia”, com sede transferida para Salvador. Este episódio, quase apagado da memória coletiva, revela um momento de extrema vulnerabilidade do clube que, poucas décadas depois, se tornaria um gigante mundial.
A década de 1930 foi um período turbulento para o futebol brasileiro e, em especial, para o Santos. Fundado em 1912, o clube ainda não havia conquistado títulos de expressão estadual e enfrentava sérias dificuldades para se manter. A instabilidade econômica do país, somada à gestão amadora e à falta de patrocínios, criou um cenário onde o fim das atividades parecia uma possibilidade real. Foi nesse contexto de desespero que a diretoria santista recebeu a proposta dos dirigentes do Ypiranga Sport Club, time baiano fundado em 1906 e que também buscava se fortalecer.
A ideia, conforme registros da época em jornais como A Tribuna de Santos e A Tarde de Salvador, era ambiciosa: unir as duas agremiações em uma só, criando um “superclube” com o nome provisório de “Santos da Bahia”. A sede administrativa e os jogos como mandante seriam transferidos para Salvador, capital baiana, que na época já demonstrava um fervoroso interesse pelo futebol. Os atletas e alguns membros da diretoria santista mudariam-se para o Nordeste. Em troca, os baianos ofereciam uma estrutura financeira mais sólida, prometendo quitar as dívidas do Santos e investir em um elenco competitivo. A proposta incluía até mesmo a possibilidade de alguns jogos amistosos serem realizados em Santos, como uma forma de manter um vínculo simbólico com a cidade de origem.
A reação dentro do clube e da cidade foi imediata e intensa. Uma facção da diretoria, liderada por membros mais pragmáticos, via na fusão a única saída para evitar a extinção. Argumentavam que era melhor ter um clube vivo, mesmo que em outra cidade, do que assistir ao seu desaparecimento. No entanto, a maior parte dos associados, torcedores e uma ala de dirigentes liderada por figuras como Urbano Caldeira (cujo nome mais tarde batizaria o estádio do clube) rejeitou veementemente a ideia. Para eles, a identidade do Santos era indissociável da cidade de Santos. O clube era um patrimônio da comunidade portuária, e sua transferência representaria uma traição ao seu berço e à sua torcida. O sentimento predominante era de que era preferível lutar e tentar se reerguer em casa, mesmo com todas as dificuldades, do que renunciar à sua essência.
Após semanas de acalorados debates em assembleias lotadas, a proposta foi formalmente rejeitada. O Santos optou por enfrentar a crise internamente, cortando gastos, buscando novos associados e reorganizando sua gestão. Essa decisão, tomada no calor do momento, revelou-se fundamental para o destino do clube. Ao escolher permanecer fiel às suas raízes, o Santos manteve viva a chama que, anos depois, seria alimentada pela chegada de um garoto chamado Pelé e por uma geração de ouro que o transformaria no “Santos de Pelé”, conquistando títulos continentais e mundiais e escrevendo uma das mais gloriosas páginas do futebol global.
Este curioso episódio da fusão rejeitada serve como um poderoso lembrete da importância da identidade no esporte. Ele mostra que, em um momento de profunda crise, o apego à história e ao local de origem pode ser a âncora que preserva a alma de uma instituição. Se a fusão tivesse sido concretizada, o futebol brasileiro nunca teria conhecido o Santos tal como o celebramos hoje – um símbolo de sua cidade e uma lenda do futebol mundial. A recusa em se tornar “Santos da Bahia” foi, no fim das contas, a afirmação definitiva de que o clube era, e sempre seria, de Santos.
— Lance do Jogo







