
O dia em que o Santos jogou com um time de estivadores e venceu o Campeonato Paulista
O dia em que o Santos jogou com um time de estivadores e venceu o Campeonato Paulista
Na história gloriosa do Santos Futebol Clube, repleta de títulos e craques como Pelé, um capítulo pouco conhecido se destaca pela coragem e pelo improviso. Em 1935, o clube conquistou o Campeonato Paulista em uma final épica, mas o caminho até a taça foi marcado por um obstáculo inusitado: uma greve dos jogadores profissionais. Para não desistir da competição, a diretoria santista recorreu a um grupo de trabalhadores do porto, os estivadores, formando um time de “guerreiros” que entrou para a lenda do futebol brasileiro.
O contexto era de grande tensão social e profissional no futebol. Em 1935, os jogadores do Santos, assim como de outros clubes, enfrentavam condições de trabalho precárias, com salários baixos e contratos abusivos. Insatisfeitos, decidiram entrar em greve, exigindo melhores condições. O ápice do movimento coincidiu com as semifinais do Campeonato Paulista daquele ano. O Santos, que tinha uma campanha sólida, viu-se diante de um dilema: desistir da competição ou encontrar uma solução desesperada. A diretoria, liderada por Athiê Jorge Coury, optou pela ousadia.
Sem os titulares à disposição, a solução foi buscar jogadores entre os funcionários do clube e da comunidade local. O grupo mais numeroso e disposto veio dos estivadores do porto de Santos, homens acostumados ao trabalho físico pesado e à lida diária. Eles não eram atletas profissionais, mas muitos jogavam futebol amador nos fins de semana. Em poucos dias, montou-se um time improvisado, com alguns jogadores do elenco base que não aderiram à greve e vários estivadores. O treinador, o uruguaio Juan Carlos Bertone, teve a difícil tarefa de organizar esse grupo heterogêneo para uma partida decisiva contra o Portuguesa, nas semifinais.
A partida, realizada no Estádio Vila Belmiro, entrou para a história como um exemplo de garra e superação. O time de estivadores, apelidado de “Os Guerreiros da Vila”, mostrou uma determinação fora do comum. Embora tecnicamente limitados em comparação com os adversários, compensaram com força física, espírito de luta e uma defesa compacta. O jogo foi tenso e equilibrado, com o Santos segurando o empate por 0 a 0 no tempo normal. Nos acréscimos, em um contra-ataque rápido, Mário, um dos estivadores, marcou o gol da vitória, levando o time à final. A cena do gol foi de pura euforia, com jogadores e torcedores em delírio, celebrando não apenas a classificação, mas o simbolismo daquela conquista.
Na final, contra o Ypiranga, a diretoria conseguiu um acordo com parte dos grevistas, que voltaram ao time. Mesmo assim, a base do time que venceu a semifinal continuou, e o Santos venceu por 2 a 0, conquistando o Campeonato Paulista de 1935. O título teve um sabor especial: foi erguido por jogadores que representavam a resistência e a identidade da cidade portuária. Entre os estivadores que se tornaram heróis, nomes como Mário, China e Nenê ficaram registrados, ainda que brevemente, na história do clube.
Este episódio revela um Santos além dos holofotes dos grandes ídolos. Mostra um clube enraizado na comunidade, que soube superar uma crise interna com criatividade e coragem. A vitória dos estivadores não foi apenas um feito esportivo, mas um ato de resistência e união que refletiu as lutas sociais da época. Para os torcedores, tornou-se uma lenda oral, passada de geração em geração, lembrando que, às vezes, a força de vontade pode superar até as maiores adversidades. Em um clube acostumado a brilhar com gênios como Pelé, esta história humilde de trabalhadores que vestiram a camisa alvinegra ressalta o caráter popular e resiliente do Santos Futebol Clube.
— Lance do Jogo







